A língua que vi hoje, era com tomate. A língua da minha infância era "de molhinho". Tudo que minha mãe fazia dourando devagar, pingando água pacientemente e formando o molho com o próprio sumo, era assim: de molhinho!
Então tínhamos o frango de molhinho, que vinha vivo, era morto e depenado na nossa cozinha, com cebolinha picadinha na hora, muito viva e verdinha, na hora de servir. Dos deuses!
Tínhamos a costelinha de porco, feita do mesmo modo, que depois ia para uma lata que ficava embaixo da pia - formava aquela banha branca, que era divina pra passar no pão quentinho!
E tínhamos a língua! De molhinho! Nada de tomate! Um molho marron, espesso, muita cebolinha, comíamos com arroz branco, desses com muito alho. Eu tinha uma tia que comia e batia os pezinhos embaixo da mesa. Sinal de sucesso. Sinal que minha mãe, como sempre, tinha acertado a mão, a danada.
Nunca fiz língua. Um dia vou fazer. Vou bater a língua na pia, como minha mãe fazia, pra soltar a "casca". Com força, como ela fazia. Sabe-se lá no que - ou em quem - ela pensava naquele momento. Eu vou fazer uni-duni-te pra bater a minha língua: certamente, vou sair mais leve da cozinha! Ela cantava. Bem, vou dançar e cantar!!!
É interessante como uma imagem - que nem comentei, quando vi - possa remexer a memória, trazendo sons, cheiros e sabores. Dez mil coisas! Tudo outra vez. Porque língua é coisa fina, coisa séria e coisa que brinca, que se move e acaricia, como num beijo. Então decido parar por aqui, porque tem coisas que a gente não fala, né? Mas devia.